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MINHA BELEZA NÃO É EFÊMERA:

A REPRESENTAÇÃO DOS CORPOS NAS REDES SOCIAIS E O IMPACTO NA AUTOIMAGEM E AUTOESTIMA DAS MULHERES
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Por: Nayara Rosolen.

“Quanto mais perto do poder as mulheres chegam, maiores são as exigências de sacrifício e preocupação com o físico. A ‘beleza’ passa a ser a condição para que a mulher dê o próximo passo. Vocês agora estão ricas demais. No entanto, não podem estar magras o bastante."

 

Naomi Wolf, em “O mito da beleza”. 

Quando se fala em ditar padrões comportamentais e ideais corporais, a mídia sempre teve um papel importante ao reproduzir e reforçar esses modelos, principalmente sobre imagem feminina. A referência de beleza baseada em mulheres brancas, magras, de olhos claros e cabelos lisos protagoniza os meios de comunicação até hoje. A publicidade também muito se beneficia dessas imposições e da insatisfação criada naquelas que estão à margem da idealização.

Com a popularização da internet, as mídias digitais potencializam ainda mais a propagação desses exemplos, que ficam expostos 24 horas por dia, na palma da mão. Basta um telefone celular com conexão e acesso às redes sociais para receber um bombardeio de imagens digitalmente ou cirurgicamente modificadas, além de serviços e produtos ‘milagrosos’ que prometem sua chegada ao modelo ideal.

É fato que o avanço tecnológico facilitou o acesso ao conhecimento, encurtou distâncias, modificou as relações e passou a ter uma importância significativa nas interações humanas, especialmente nos últimos dois anos, com a necessidade de isolamento social devido à pandemia da Covid-19. No entanto, a exposição e comparação excessiva a recortes felizes da vida alheia, somado ao contato mais frequente com a própria imagem, é capaz de gerar distorções sobre percepções de si mesmo, o que impacta diretamente a autoimagem e autoestima.

A psicóloga Luiza Cassou explica que todas as vivências, desde pequenos, constrói nos indivíduos a imagem que têm de si, a partir da perspectiva dos outros e da autoavaliação que fazem do próprio comportamento. A depender do contexto e da cultura em que as pessoas estão inseridas, esses comportamentos podem ser dados como positivos ou negativos, o que influencia diretamente na autoestima. Se os conceitos que se tem são positivos, isso caracteriza uma autoestima boa. Se a avaliação de si mesmo é ruim, é julgado como uma baixa autoestima.

As plataformas têm o poder de gerar mensagens nocivas de inadequação através de conteúdos aparentemente inofensivos e são espaços usados a maior parte do tempo para postagens de vivências positivas. Isso gera uma sensação de que todos estão ou deveriam estar felizes o tempo todo, e de que não existe espaço para tristeza e problemas. É nesse ponto que as redes merecem uma atenção especial.

Ao perceber ‘inadequações’ diante da perspectiva do que a sociedade apresenta como um padrão, se inicia uma busca incansável para se encaixar no modelo, já que a tendência é achar que só assim será aceita. Luiza diz que não é um problema postar só coisas boas, mas passa a ser se aquilo é olhado como a realidade total e não apenas como um recorte do todo.

Ainda em 2017, uma pesquisa realizada pela Royal Society for Public Health (RSPH) e o Young Health Movement (YHM) já apontava as mídias sociais como mais viciantes que álcool e cigarros, sendo o Instagram a mais nociva para a saúde mental. A rede é a mais utilizada pelos brasileiros, com 50% de adesão, segundo um estudo realizado pela Cuponation.

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Fonte: Royal Society for Public Health e Young Health Movement, 2017. Crédito: Autora. 

Hoje, os influenciadores digitais passam a ter grande impacto no que é colocado como ideal, com a capacidade de persuadir as milhões de pessoas que os seguem. Ao mesmo tempo, as redes sociais dão voz para toda e qualquer pessoa opinar, comentar e, muitas vezes, propagar preconceitos e discursos de ódio sobre as pessoas que ali estão, principalmente quando se trata de corpos fora do idealizado. Não são incomuns os relatos de como essas situações afetam a relação das pessoas com o próprio corpo.

 

"Vendo esses perfis e fotos, eu me sentia a pessoa mais feia do mundo, a única que não estava dentro do ‘padrão imposto pela sociedade’. Existem muitos perfis disseminando a ‘perfeição’ dos corpos, quanto mais magra, malhada, sem estria, é melhor. No ano de 2020, bem no meio da pandemia, eu estava muito desanimada em relação ao meu corpo, com a minha autoestima. Através do Instagram eu comecei a seguir um perfil que realiza fotos de mulheres reais, me interessei e marquei uma sessão. As fotos são feitas de lingerie, com uma pegada mais sensual. Quando recebi as fotos, coloquei algumas no meu Instagram, recebi mensagens dizendo o porquê de eu estar expondo aquelas fotos ‘peladas’, 'feias'... Diziam palavras de baixo calão, de pessoas que eu nunca tinha visto, ao menos conhecia. A primeira impressão que causa é revolta, pois por que outras pessoas se incomodam tanto com o meu corpo, com as roupas que eu visto?”

 

Letícia Souza, 26 anos, enfermeira.

(@leticia.souzaaa)

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Letícia realizou um ensaio fotográfico do Projeto Seu. Foto: Gabriel Michaki.
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Imagem que gerou críticas à Emília por ter publicado. Foto: Reprodução do Instagram.

 

"Teve uma situação em que eu postei uma foto de biquíni, porque eu estava em um 'rolê' e estava me achando bonita. Teve comentários da minha família falando para a minha mãe que eu poderia até perder o emprego por ter postado aquela foto de biquíni, que não existe postar foto daquele jeito. Era uma foto super normal, eu estava de costas, não estava mostrando nada assim. E engraçado que naquele mesmo mês as minhas primas que são magras, tinham postado fotos até mais sensuais e não tinha nada demais. Só estava postando uma foto de um dia que estava me achando linda e nada mais, todo mundo posta foto de biquíni hoje em dia. Mas por eu não ter o corpo padrão, sofri vários ataques. Sofri e marcou muito, porque eu queria entender o porquê as pessoas magras podem postar fotos de biquíni sem ‘perder o emprego’ e eu tendo postado poderia.”

 

Emília Vitória, 25 anos, técnica de enfermagem. 

(@emiliavit)

O estudo TIC Kids online Brasil, divulgado em 2020 pelo Cetic.br, aponta que 43% das crianças e dos adolescentes de 9 a 17 anos viram alguém ser discriminado na internet e 7% reportou ter se sentido discriminado. Dos motivos apresentados, 26% das meninas mencionam a aparência física. A mesma pesquisa diz que 18% das meninas pesquisam sobre “formas de machucar a si mesma” e 22% “formas de cometer suicídio”.

Luiza afirma que há um número significativo de evidências que mostram que quanto maior a exposição e maior o tempo despendido nas redes sociais, mais suscetível a uma insatisfação, o que passa a ser um fator de risco para o desenvolvimento de doenças mentais, como a ansiedade e depressão. Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), mulheres são mais afetadas pela depressão que os homens e estima-se que mais de 300 milhões de pessoas no mundo sofrem do transtorno. O Brasil é o país com a maior taxa de ansiedade no mundo, atingindo 7,5% dos brasileiros, como mostra o relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Luiza explica o que é a ansiedade e a depressão e de que forma as doenças se manifestam.

“Uma mulher comentou que a minha pele era tão feia e tão horrorosa que parecia um aborto.”

​​Esta situação fez Heloisa Torres, de 24 anos, decidir se afastar completamente da internet e reavaliar se continuaria produzindo conteúdos de beleza para o Instagram. A jovem, que tem acnes hormonais, conta que a condição nunca tinha sido um incômodo, até começar a receber críticas em suas postagens.

“O f*** que você não pode dormir com ninguém”, “Acho melhor que se maquiar, cuidar da saúde”, “Cuide da sua pele com alimentação adequada, não adianta mascarar”, “Só milagre para tapar esse ‘cocorote’”, “Fico imaginando quando ela sair com o boy e começar a suar a quantidade de ‘reboco’ que vai sair da cara dela”, “Eu acho que ela tem é que cuidar da alimentação, pois é isso que deixa a pele detonada. Gordo nunca foi bonito e nunca será”, “Maquiagem pra c**** e ainda o mesmo elefante”.

Esses são só alguns dos comentários que começaram a surgir no perfil de Heloisa (@heloisatorres), apontando não só a questão da pele, mas associando a condição também à forma corporal. Gorda desde a infância, na adolescência o que a incomodava era o corpo, pois sempre se comparava com as amigas magras. 

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Além dos tutoriais, Heloisa também compartilha relatos da relação com o corpo. Foto: Reprodução do Instagram.

A criadora de conteúdo conta que não conseguiu ser tão protagonista da própria vida quanto queria, e deixava que o peso falasse por ela. Hoje, o que mais a magoa é olhar para trás e perceber que o corpo “era só um pouquinho diferente” do que os das outras meninas, mas na época se achava “extremamente gorda”. As falas de pessoas ao redor e o fato de passar a maior parte do tempo consumindo conteúdos de perfis nas redes sociais que exaltavam o corpo magro, também não permitiam que se enxergasse com clareza no espelho e a faziam acreditar que só seria feliz e só poderia viver de verdade quando tivesse um corpo semelhante aos reproduzidos.

A questão corporal se tornou pauta em terapia, na busca por uma relação melhor com o corpo. Heloisa acredita que a aparência tenha pesado muito, em meio a outros fatores, para o desenvolvimento de uma depressão tratada neste período. Foi neste momento também que entendeu que a dificuldade em perder peso vinha de disfunções na saúde: a diabetes, que quase toda a família dela tem; a hipertensão; e a descoberta de um nódulo na tireóide. O trabalho multidisciplinar com psicóloga, nutricionista e endocrinologista a fez desconstruir a ideia de que um corpo gordo é um corpo doente, e que ela pode ser uma mulher gorda e saudável.

*O movimento corpo livre surge a partir do body positive, criado nos Estados Unidos, na década de 1990, por Connie Sobczack e Elizabeth Scott, que fundaram o Instituto The Body Positive. Os dois têm o intuito de de empoderar e ajudar as pessoas a se aceitarem e se sentirem confortáveis dentro dos próprios corpos, independentemente do tamanho ou forma. No Brasil, o movimento foi difundido pela jornalista e ativista Alexandra Gurgel, autora do livro "Pare de se odiar: Porque amar o próprio corpo é um ato revolucionário". 

**O skin positivity, ou movimento pele livre como é conhecido no Brasil, incentiva a aceitação e exposição de peles reais, com acnes, manchas, cicatrizes e marcas de expressão, por exemplo. A ideia é se libertar da imagem ilusória de peles "perfeitas". O movimento começou com a hashtag Free The Pimple (Liberte a espinha), compartilhada pela influenciadora Lou Northcote. 

 

A jovem passou a fazer um filtro, não só nas crenças que carregava na vida, mas também em quem acompanhava nas redes sociais. Começou a seguir pessoas de corpos parecidos com o dela e se aproximou do movimento corpo livre*. Isso colaborou não só em uma melhora em relação à autoestima, mas também a fez começar a valorizar a forma como é.

Passada a fase conturbada, há cerca de dois anos e meio Heloisa começou a gravar vídeos para os seguidores do Instagram com tutoriais de maquiagem, algo que sempre foi uma paixão. No entanto, os comentários de ódio sobre sua pele e o seu corpo trouxeram de volta toda a ansiedade e a colocou de novo na “caixinha da depressão”. Isso a fez questionar a presença nas redes, mas com apoio psicológico e com foco no feedback positivo que recebia, decidiu ocupar o espaço para dar voz aqueles que sofrem pelas mesmas questões e desmistificar muitas crenças sobre a questão da pele. 

Através do contato com amigas que abordavam o corpo livre nas redes  sociais, conheceu também o movimento pele livre**. A criadora conta que é difícil encontrar influenciadores que tratam sobre o tema no Brasil, apesar de já ser bem difundido no exterior. Por ser mais recente e também pela vergonha que as pessoas têm de se mostrar em suas peles reais. Por isso, a importância de se colocar nesse papel e desconstruir alguns pensamentos enraizados.

Heloisa explica que o pele livre não é só sobre aceitar a pele como é, "mas cuidar com amor e entender o processo". Diz ainda que as peles precisam sim de cuidado, mas que as pessoas não devem se sentir culpadas por serem como são e nem se acharem feias por terem a pele que têm. Segundo ela, que trata as acnes desde os 16 anos com acompanhamento médico multidisciplinar, o comentário que mais recebe e que gostaria que a crença fosse quebrada é o de que "a pele acneica é uma pele suja e mal cuidada", pois já a afetou muito.

"Quando a gente cresce com um corpo e uma pele fora do padrão, as pessoas colocam muito a gente nessa caixa de relaxado, desleixado, descuidado, e isso afeta muito a autoestima, faz com que a gente se sinta meio sujo mesmo."

A autoaceitação que veio através da rede de apoio e acolhimento dentro e fora das redes, colaborou não apenas para uma relação melhor com a autoimagem, mas também modificou o vínculo que tem com a maquiagem. Antes utilizada para tapar e esconder as acnes, hoje é a forma que Heloisa tem de se expressar artisticamente, além de realçar e valorizar a verdadeira pele.

 

Agora, a criadora usa o espaço e reconhecimento que tem para acolher aqueles que passam pelo mesmo e mostrar que além da pele perfeita não existir, a beleza não se encontra só em peles lisas. O retorno do trabalho produzido se mostra em comentários e relatos de pessoas que passaram a se enxergar de outra forma e também daqueles que começaram a respeitar amigos e familiares com peles parecidas. 

"Percebo a importância do meu conteúdo a cada vez que eu recebo esses comentários positivos. Guardo em um lugar muito especial da minha memória, para quando vierem os negativos eu entender o porquê estou aqui e o porquê faço isso, o porquê eu tomei essa decisão. A cada comentário positivo que recebo, a cada agradecimento, só vou reafirmando ainda mais a escolha."

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Heloisa produz conteúdos de maquiagem pele real em sua rede social. Foto: Reprodução do Instagram.

SAÚDE MAGRA

A busca incessante por corpos magérrimos parte de práticas enraizadas na sociedade e que são reproduzidas e incentivadas também nos meios virtuais. A cultura da dieta, por exemplo, é atualizada de tempos em tempos com os mais diversos tipos de restrições e modismos. É um sistema que dita que pessoas mais magras são consideradas mais saudáveis. Apoiado na ideia do salutarismo, em que a saúde é uma obrigação moral e que pessoas “saudáveis” merecem mais respeito do que pessoas consideradas “menos saudáveis". Ou seja, pessoas magras são mais dignas de respeito do que pessoas gordas.

“O que há de errado com o salutarismo é que, na verdade, o perfil metabólito e de saúde de um indivíduo não é culpa totalmente dele. Existem vários determinantes sociais, de renda, de educação, insegurança profissional, saneamento básico, genética, saúde mental, uso de medicamentos, disfunções hormonais, que impactam a saúde e o peso também”, explica a nutricionista Ana Carolina Orsini, autora do livro "A cultura da dieta é tóxica: desmistificando crenças sobre alimentação e peso com base em evidências científicas". 

Junto disso, o nutricionismo está muito presente na cultura da dieta. Ana Carolina conta que esta é uma visão reducionista da nutrição, alinhada com a dicotomia de alimentos, separados entre saudáveis e não saudáveis, bons e ruins, permitidos e proibidos. As refeições são reduzidas a apenas os alimentos que as compõem, deixando de considerar os diferentes significados que uma comida pode carregar.

 

“A gente come por diversos motivos, além das necessidades nutricionais e biológicas. Por comemoração, porque está triste, porque está feliz, por memória alimentar, para lembrar de um sabor gostoso. A cultura da dieta acaba reduzindo os alimentos só a nutrientes. As pessoas olham um prato de macarrão e falam ‘carboidratos’, olham para uma carne e falam ‘vou comer proteína’. Não é bem assim, a gente não come proteína, carboidrato, a gente come comida”, complementa.

Essa dicotomização parte de movimentos que são disseminados por influenciadores também por marcas que querem vender seus produtos. Aqui pode ser observado o efeito dunning-kruger, que entra em evidência na era das redes sociais. Ana Carolina explica que isso acontece quando pessoas com menos experiência e conhecimento conseguem falar sobre um tema com mais confiança e autoridade simplesmente por não saberem a profundidade do assunto. Essas pessoas têm o que se chama de superioridade ilusória, persuadindo o público que as seguem a tomarem decisões equivocadas.

A nutricionista alerta que dentro da cultura da dieta e também com o alcance das redes sociais e os diversos perfis fitness, comportamentos alimentares disfuncionais são normalizados. Alguns dos mais comuns são o medo de engordar, os alimentos ‘milagrosos’, a culpa ao comer, a contagem de calorias, a demonização de alimentos e nutrientes, a insatisfação corporal e os exercícios compensatórios depois de ingerir alimentos tidos como vilões, por exemplo. Essas ações são vistas como “saúde” e as pessoas que as praticam possuem uma superioridade moral, são hipervalorizadas diante da sociedade.

O perigo presente nestas situações é o desenvolvimento de um comer transtornado, ou ainda de transtornos alimentares. De acordo com o Hospital Santa Mônica, estas patologias têm a maior taxa de mortalidade entre as doenças mentais e a cada 62 minutos, pelo menos uma pessoa morre como resultado direto. A pesquisa do Cetic.br com crianças e adolescentes, já citada, aponta que 21% das meninas de 9 a 17 anos pesquisam na internet sobre “formas para ficar muito magra”.

Ana Carolina e Luiza têm aprimoramento em transtornos alimentares pelo AMBULIM-USP e falam de que forma se apresentam nos indivíduos.

​A nutricionista ressalta que as restrições severas na alimentação podem levar a consequências graves para a saúde física, além da mental. Se a pessoa não ingere nutrientes ou energia necessária, pode acarretar em sintomas como anemia, palidez, osteoporose, queda de cabelo, unhas quebradiças, arritmia cardíaca. As mulheres podem, inclusive, deixar de menstruar. “A gordura é um fator regulador da função endócrina, então se tem uma baixa porcentagem de gordura corporal, pode ser que impacte nos hormônios”.

Ana Carolina diz que estes são sintomas vistos com frequência em pacientes com bulimia e anorexia, além de gerar um aumento nos hormônios de estresse e problemas gastrointestinais. Muitos discursos da cultura da dieta culpam nutrientes por má digestão ou aumento de gases. No entanto, a profissional afirma que muitas dessas questões estão associadas justamente a tantas restrições.

No livro “A cultura da dieta é tóxica”, a profissional mostra que 98% de pessoas com transtornos alimentares possuem problemas gastrointestinais, e 44% dos pacientes que buscam ajuda para estas questões têm comportamento de comer transtornado. “As pessoas usam problemas gastrointestinais causados pela restrição como desculpa para restringir ainda mais outros nutrientes”.

Frases como “não é pela estética, é pela saúde” também mascaram um preconceito estrutural da sociedade, que marginaliza, exclui e mata pessoas de corpos maiores. A gordofobia se apresenta em discursos não só do dia a dia, vindos de pessoas da convivência, mas dos próprios profissionais da saúde, que insistem em emagrecimentos forçados e na utilização da insatisfação como motivação.

O corpo gordo ainda é visto como um corpo doente, mesmo que exames apresentem a pessoa como saudável. Mais do que isso, pessoas gordas são sempre colocadas como as únicas culpadas por serem como são, anulando todos os fatores biológicos e externos que podem influenciar em um emagrecimento ou em um ganho de peso. Dizer que é preciso “ter força de vontade” ou “tomar vergonha na cara” só beneficia um mercado que lucra com processos fadados ao fracasso, e que só geram mais insatisfação, além de isentar a responsabilidade de outros aspectos e dos profissionais se atualizarem.

Como conta Luiza, a obesidade foi classificada como uma doença para facilitar o acesso das pessoas ao tratamento, já que pode ser um fator de risco para algumas outras disfunções. No entanto, não é isso que se observa, quando toda e qualquer condição é associada ao peso e a gordofobia médica se faz presente. Os constrangimentos vividos nos consultórios fazem com que as pessoas negligenciem a própria saúde ao invés de aproximarem, por medo de como serão tratados. 

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Hoje, Leticia faz tratamento com psicóloga, psiquiatra e endrocrinologista. Foto: Gabriel Michaki. 

"Por ser gorda, qualquer consulta médica, independente do médico ou especialidade, sempre vai ter algo relacionado ao peso. Se você estiver com dor nas costas, é o peso. A primeira coisa que você escuta é ‘tem que emagrecer’. Como se fosse fácil, como num passe de mágica. Muitas pessoas acham: só porque é gordo, é cheio de comorbidades. Nem sempre. Tem muito gordo mais saudável que uma pessoa magra. O sentimento de impotência, o julgamento de ser uma pessoa preguiçosa, que não gosta de realizar exercícios, os olhares maldosos das pessoas... Geram um desconforto que você só quer que aquela consulta acabe logo. Falta muita empatia por parte das pessoas. Na infância e adolescência, já perdi as contas de quantas nutricionistas meus pais me levavam. Já tomei vários shakes, fazia tratamento para três meses, emagrecia, parava de tomar e engordava tudo novamente, o efeito sanfona reinava. Já fiz tratamento com nutrólogo, associado com personal trainer, muitos exercícios, dietas. Emagreci, porém voltava a engordar tudo novamente. O que abala é o psicológico mesmo, você se sente emocionalmente instável, fraca, que não tem disciplina para manter uma dieta e exercícios”,

 

Letícia Souza

"Eu tive um problema de síndrome do pânico, não por questão corporal, mas durante o meu tratamento o meu psiquiatra disse que eu precisaria emagrecer, porque eu estava avançando muito para uma melhora, e a hora que eu tivesse boa e me olhasse no espelho eu não iria me aceitar. Então, eu precisaria emagrecer para quando eu estivesse bem não ter uma recaída, por causa do peso. Mas isso nunca aconteceu, pelo contrário. Estou em uma fase da vida que eu me encontro mais gorda e a fase que eu estou me achando mais gata, mais sexy. Uma vez eu caí e torci o tornozelo e eu cheguei em um consultório, o doutor olhou para a minha cara e falou que eu tinha torcido o tornozelo porque eu era gorda, mas assim, eu escorreguei em um piso molhado, é uma coisa que com qualquer pessoa poderia ter acontecido, entendeu? Já aconteceu de eu chegar no hospital com a pressão muito baixa e a enfermeira falar ‘nossa, mas você tem pressão baixa, nesse peso?’. Às vezes, eu deixo de ir em médico por chegar lá e saber que  o doutor vai falar que o meu problema é por questão do peso, que eu tenho que emagrecer. Todas as vezes que eu vou consultar os médicos pedem os mesmo exames de tireoide, de colesterol, triglicérides, e fica em choque quando vê que que tudo está normal",

 

Emília Vitória.

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Emília superou a síndrome de pânico e continua tendo uma boa relação com a própria imagem. Foto: Arquivo pessoal. 

Todas essas situações vividas devido a crenças enraizadas têm ligação com o efeito Semmelweis, uma tendência de comportamento no qual as pessoas rejeitam evidências científicas de qualidade somente porque contradizem normas e paradigmas estabelecidos. Neste caso, o estigma do peso e a cultura da dieta, que mesmo sendo comprovado cientificamente que prejudicam a saúde física e mental, continuam em propagação.

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Andressa está no momento mais feliz e saudável física e psicologicamente. Foto: Taiane Sampaio.

“Desculpa, é que qualquer mulher na sua situação iria se odiar.”

Foi isso que Andressa Osako, de 21 anos, escutou de uma médica ao recusar a indicação de um inibidor de fome em uma consulta ginecológica.

O que a profissional não sabia é que a jovem havia passado recentemente por um tratamento psiquiátrico para ansiedade, depressão e síndrome do pânico. O corpo, julgado como inadequado, era o mais saudável que ela tinha em anos, voltando para o peso normal, já que sempre foi gorda. 

Andressa cresceu escutando coisas como “se você continuar assim não vai arrumar um namoradinho”, “você vai morrer muito cedo” e o clássico “não é sobre seu corpo, é sobre sua saúde, você precisa se cuidar”. No entanto, sempre foi uma pessoa ativa, que praticou os mais diversos tipos de atividades, desde o basquete até o balé. Mesmo assim, ainda escutava que não adiantava nada fazer um monte de esportes se chegava em casa e comia “igual uma porca”, pré-julgamento que ocorria apenas por não ter o corpo padrão.

Essas falas a tomavam por um sentimento de culpa e inadequação, pois se mesmo não sendo sedentária e não excedendo na alimentação ainda era gorda, acreditava que ela era a errada e que tinha que comer menos e fazer ainda mais atividade física. Isso fez com que entre os 12 e 13 anos começasse a passar 4, 5 dias sem se alimentar e fizesse exercícios na academia até passar mal e ter que ir ao médico, com todas as taxas de exame abaixo do normal.

Assim, Andressa cresceu tendo uma relação conturbada com o corpo e se sentindo inferior. “As minhas conquistas não eram motivo para comemorar, porque nada que eu conquistasse na minha vida ia ter tão importante quanto emagrecer”, lembra.

Esses pensamentos enraizados durante toda a existência, colaboraram para a entrada em um relacionamento extremamente abusivo em 2015. Por ouvir a vida toda que se continuasse com o corpo que tinha nunca ia arrumar um namorado, apenas aceitou toda a opressão e controle sobre com quem falava, o que vestia, para onde ia, o que comia. “Para mim, o máximo que ia conseguir sendo uma mulher gorda eram aquelas migalhas de amor”, conta.

A relação foi um dos gatilhos para o desenvolvimento das crises de ansiedade e depressão, além do diagnóstico de síndrome do pânico em 2017. No processo de adoecimento, emagreceu cerca de 20 quilos. Tinha o corpo dos sonhos, que sempre quis, mas que não se reconhecia, “estava sem luz nenhuma”.

“As pessoas me viam depois de muito tempo e falavam ‘nossa, você está tão linda, emagreceu. Parabéns, me passa a receita’. E eu pensava ‘cara, a receita é, sei lá, se sentir um lixo’. Porque era assim que eu me sentia.”

Com a ajuda dos amigos e da família, iniciou a psicoterapia e o tratamento psiquiátrico com uso de medicamentos, que durou quase dois anos. Naturalmente, neste período Andressa começou a retomar o corpo e o peso de antes, agora não mais visto como algo ruim, pois significava deixar para trás tudo o que causava tanto sofrimento, inclusive o namoro.

Essa reconexão consigo mesma, no entanto, também trouxe de volta o olhar negativo das pessoas, que diziam coisas como “você se descuidou né, eu sinto muito, mas fica tranquila que já você volta ao peso que tinha antes”. Sem saber que, na verdade, Andressa estava no auge da saúde física e mental. Foi então que percebeu que toda a preocupação escutada durante a vida nunca foi sobre saúde, bem-estar e nem sobre ela mesma, mas preconceitos, julgamentos e críticas que as pessoas têm sobre si mesmas, além das inseguranças que carregam e projetam nos outros. 

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O autoconhecimento e a busca por informação fortaleceram e deram sentido de pertencimento a Andressa. Foto: Tris Nogueira. 

O processo de autoconhecimento trouxe também a vontade de pesquisar e aprender sobre autoaceitação, quando encontrou os movimentos corpo livre e antigordofobia. A mulher que antes achava ser a única que chorava em um provador de roupa, a única que evitava se olhar o espelho porque machucava, a única que ficava dias sem comer para tentar emagrecer, a única que passava mal em academia, passou a se sentir representada por outras pessoas gordas que falam que abertamente sobre o tema. 

Andressa decidiu, então, transformar as experiências ruins que vivia tanto dentro quanto fora das redes, em motivação para libertar outras mulheres do sistema opressor da padronização. Mas isso não a isentou de continuar recebendo comentários preconceituosos sobre o seu corpo. A criadora de conteúdo diz que a maioria desses discursos aparecem de homens, mas que também recebe muitas críticas de mulheres.

Ela entende que quando as falas partem do público masculino, diz mais em relação a uma sociedade machista e patriarcal, onde as mulheres precisam se manter omissas e submissas quanto ao controle sobre suas corpos, suas vidas e comportamentos. "Uma mulher livre incomoda. Uma mulher livre e fora do padrão incomoda muito, muito mais. E uma mulher livre, fora do padrão e que instiga outras mulheres a serem livres, incomoda demais."

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Andressa produz conteúdos de autoaceitação para o Instagram desde setembro de 2020. Foto: Reprodução do Instagram. 

Já no caso dos comentários que surgem de mulheres, enxerga que são pessoas ainda presas a crenças opressoras, e que reproduzem pensamentos enraizados. Em um desses casos, Andressa decidiu conversar e perguntar o porquê de odiá-la.

 

"A mulher falou que não é que ela não gosta de mim como pessoa, é só que ela não concorda sobre o que eu falo sobre a gente se amar. Porque ela se amou como uma mulher gorda a vida inteira e isso fez com que ela se sentisse desleixada e o marido dela traísse ela com uma mulher mais magra, largasse ela e tirasse os filhos dela porque era gorda. Aí percebi que os comentários que fazia para mim, as críticas e até os xingamentos, não eram sobre mim, eram inseguranças tinha com ela mesma", conta.

Além de criadora de conteúdo (no perfil @andressaosako), a jovem é também professora no ensino infantil, e por diversas vezes tenta usar a didática para ensinar aqueles que não entendem a importância de se libertar da pressão estética. Mas pela própria saúde mental, também percebeu que não dá para orientar quem não quer aprender, por isso hoje se utiliza de funções para bloquear e excluir pessoas e comentários ofensivos de suas redes. 

"Acredito muito que, mesmo de longe, cada mulher que está por lá, está segurando a minha mão todos os dias e me leva a uma vida mais leve, de mais compaixão, de mais gentileza comigo mesma, e que de alguma forma a gente anda juntas nesse processo", conclui.

Assim como na história de Andressa, a gordofobia médica faz parte da vivência de muita gente. Durante a pandemia, pessoas gordas encontraram dificuldade até para conseguir declarações médicas que permitem a vacinação no grupo de comorbidades. Outro caso que mostra a contradição dos que apresentam preocupação perante a saúde dos indivíduos. 

Pensando nisso, a conta no Instagram @saudesemgordofobia surge justamente com a proposta de facilitar o conhecimento e aproximação com profissionais que trabalham a partir do acolhimento com humanismo. No perfil, é divulgada uma tabela com médicos não gordofóbicos das mais diversas especialidades, espalhados por todo o Brasil. 

EXISTIR COMO RESISTÊNCIA

O body positive e suas vertentes, como o movimento corpo livre, foram os primeiros a dar voz e ampliar as discussões sobre a pressão estética, promovendo a autoaceitação e a libertação das pessoas de um sistema opressivo. A partir disso. muitas pessoas passaram a repensar e reconstruir a relação com a própria imagem, além de disseminar a ideia de equidade para todos os tipos de corpos, principalmente através das redes sociais.

No entanto, nem sempre a realidade que se apresenta consegue alcançar a idealização do discurso. Não basta se aceitar, quando a sociedade e seus espaços são planejados para corpos magros. A falta de acessibilidade para pessoas gordas é mais um reflexo da gordofobia, que tem raiz na pressão estética, mas que abarca diversas outras questões que afastam, excluem, marginalizam e matam corpos gordos.

Luiza explica que a pressão estética é algo que todos os seres humanos sofrem, em níveis menores ou maiores. É a cobrança para a aproximação do padrão de beleza, “completamente utópico para a maioria das pessoas”. Compõe a sociedade da escassez, na qual nunca se é bom o suficiente, bonito o suficiente, magro o suficiente.

Algo bastante lucrativo, já que quanto maior a insatisfação, mais as pessoas se engajam em comportamentos para transformar o próprio corpo. Isso alimenta indústrias bilionárias, como a da beleza, a da dieta e a das cirurgias plásticas. A indústria da dieta e emagrecimento tem faturamento de 176 bilhões de reais por ano. Para 2022, há a estimativa de R$245 bilhões, aponta Ana Carolina em seu livro.

Já a gordofobia, diz respeito à exclusão de pessoas gordas da sociedade. Estão relacionadas questões como afeto, mercado de trabalho, acesso à saúde, lugares de lazer, locomoção. Quando não se cabe em uma cadeira, ou então ela quebra, quando a catraca do ônibus trava, quando o cinto de segurança não fecha, quando não há uma maca que sustente, todas essas situações transmitem uma mensagem. “O corpo gordo, literalmente, não cabe. Não existe espaço para pessoas gordas existirem”.

Isso reforça o pensamento de que não há espaço para existir, de que as pessoas precisam se transformar, fazendo aceitarem que são erradas por ser como são, que é preguiça, que é falta de força de vontade, que são inadequadas por estarem no corpo que estão. “É um sofrimento muito grande, são anos ouvindo que é desleixado, que é preguiçoso, que nunca vai conseguir. E são pessoas, às vezes, que têm histórias incríveis, incríveis. É muito indignante o que um preconceito internalizado pode fazer na vida de alguém”, diz a psicóloga.

Por isso, hoje, muitas das ativistas corporais aderiram ao ativismo gordo, que busca acabar com a estigmatização e a despatologização de corpos gordos. Há também uma luta pela acessibilidade quase inexistente, como é possível perceber em relatos:

"Cadeiras plásticas, que tem em barzinhos, já perdi as contas de quantas quebraram ou racharam quando eu sentei. Além das coxas ficarem vermelhas, pois são apertadas. Hoje em dia eu já nem sento mais, pois tenho medo de cair e virar alvo de deboche das pessoas. Ônibus de viagem, os assentos são pequenos, apertados e o cinto não fecha. Dá uma sensação de impotência e tristeza. Total desconforto. Hoje em dia eu sigo perfis que eu gosto do conteúdo, que eu me identifico com as postagens, fotos e vídeos. É muito importante você ver que não está sozinha, você vê que existem pessoas gordas, que tem estrias, que tem dobrinhas, que tem barriga grande e que está tudo bem. Não é nenhuma apologia a obesidade, mas que ser gordo não é um problema, é sim uma condição física.”

 

Letícia Souza

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Os perfis de diversidade corporal ajudam Letícia no processo de autoaceitação. Foto: Reprodução do Instagram.

“Acessibilidade acho que é o maior problema que eu vejo hoje em dia. Ano passado eu estava trabalhando fora da cidade, pegava circular todos os dias, e um desses ônibus a catraca era muito pequena, eu não passei. Naquele momento, o ônibus lotado... Eu fiquei meio constrangida, sentei no banco da frente, depois pedi para o motorista para passar pela porta da frente, ele liberou, tudo bem. Só que se fosse uma pessoa com problema maior de autoestima, aquele dia teria sido o fim. Depois eu postei sobre isso nas minhas redes sociais, comentando que aquelas catracas não foram feitas para pessoa gorda. Aquele dia eu tive relatos de mães que não passaram com crianças no colo, de pessoas que não passaram com sacola… aquilo foi feito para gente magra, zero acessibilidade. Mesma coisa questão de assento, às vezes alguns bancos são tão pequenos, a gente fica super apertada ou não cabe, cadeira de restaurante quando são aquelas cadeiras de plástico aperta a perna... São vários, mas o que me marcou foi esse dia da catraca do ônibus", 

Emília Vitória.

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Mesmo com a autoaceitação, Emília não deixa de passar pelo constrangimento da falta de acessibilidade. Foto: Arquivo pessoal. 
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Renata realiza paródias de capas de revista em sua rede social. Foto: Reprodução do Instagram.

“Minha busca pela aceitação vai além do peso.”

Renata Néia, de 39 anos, começou a fazer sucesso no Instagram (@renata_neia) com a reprodução de capas de revista, vídeos e postagens nas redes sociais, em sua maioria de pessoas com corpos padrão. A sátira presente nas publicações aproxima o público não só pelo teor cômico, mas também pela proximidade com corpos e vivências reais.

No início, Renata compartilhava vídeos e fotos voltados para a experiência com o mundo fitness, na academia e com evolução dos treinos. Mas desde as primeiras postagens, também já compartilhava a vida real de uma mãe e dona de casa, que ainda se divide como secretária em uma oficina mecânica.

A virada de chave nos conteúdos e na vida dela aconteceram quando percebeu que a perfeição não existe e que pode ser gorda e ainda assim manter os exercícios físicos que gosta e pratica com frequência, agora sem a pressão estética, que já a fez sofrer tanto. Um sofrimento que surge não só por questões de saúde mental e física, quando não comia nada e vivia desmaiando, mas também pelos comentários ouvidos durante a vida toda, fora e dentro das redes, ainda que seu perfil não seja voltado para a exposição do corpo em forma de militância.

A primeira lembrança de gordofobia vivida que a marcou foi aos oito anos, quando estava em uma festa infantil e não pôde brincar junto das outras crianças em uma cama elástica, pois a mulher que cuidava do brinquedo disse que ela quebraria caso subisse. No nascimento da segunda filha, escutou das enfermeiras que precisariam de “uns dez homens para tirar da maca”. Em um passeio familiar, um dos membros disse para ir no banco da frente do carro, pois atrás não caberia ela e mais duas pessoas. 

Todos esses episódios mexeram muito com Renata, que até hoje sente uma “tristeza terrível” ao escutar frases do tipo “nossa, como você é linda de rosto”. Ela admite que a ansiedade gerada muitas vezes é descontada na alimentação, e já chegou a fazer sessões de psicoterapia para lidar com algumas dessas questões. Mas hoje consegue ter uma outra percepção, e busca transmitir esse olhar para os seguidores. 

​Renata não quer “simplesmente viver por viver”, por isso tenta ultrapassar as limitações do dia a dia, da rotina pesada, do trabalho e das obrigações para se ligar às pessoas de uma outra forma nas redes, levando sempre a mensagem de que “ser bonita é ser você”.

 

“O que  procuro fazer chama-se intertextualidade, com várias funções que nós mulheres na maioria exercemos. Ser eu mesma, como sou, sem medos de julgamentos, porque procuro melhorar a cada dia, ser uma pessoa melhor. A aceitação não é uma apologia a obesidade, que isso fiquei bem claro. Me aceito não só pelo peso, mas em vários outros parâmetros que tenho em meu corpo, idade, beleza física.”

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Renata mostra seu corpo real desde as primeiras publicações nas redes. Foto: Arquivo pessoal. 

Mais do que uma boa autoimagem, Luiza ressalta a importância da autocompaixão. A psicóloga diz que a autoestima é fluida e pode até ser prejudicial se estiver o tempo todo elevada, pois a pessoa deixa de ser adaptativa e não reconhece pontos que podem ser trabalhados. Afirma ainda que uma boa autoestima, mesmo no lugar de autocrítica, só vem da compaixão por si mesmo, de entender que é imperfeito na condição de humano. “É isso que nos faz dignos de amor, e não a perfeição”.

Para a profissional, é o entendimento de que haverá erros, mas que isso não torna as pessoas indignas de amor ou aceitação. A autoestima pode ser abalada, de acordo com o contexto em que se encontra, mas a autocompaixão pode permanecer. “Não é necessária uma super avaliação do corpo, achar que é linda maravilhosa para se tratar com carinho e entender que é digna de amor”. Isso é um processo que demanda dedicação e exercício diário, como concluem Heloisa e Andressa:

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Nayara Rosolen

Graduanda em Jornalismo pelo Centro Universitário Internacional Uninter.

Essa reportagem experimental foi realizada como parte do TCC do curso de Jornalismo, sob orientação da Profª Dra. Máira Nunes.

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